[...]é possível modificar aspectos específicos da consciência e,
portanto, da personalidade como um todo. "As conexões no cérebro não são
fixas. Isso quer dizer que ninguém precisa ser para sempre o que é hoje."
Por Ulrich Kraft
Vermelho,
amarelo, verde. Diante das diferentes cores nas imagens de ressonância
magnética funcional, Richard Davidson identifica as regiões do cérebro de seu
voluntário que apresentam atividade significativa enquanto este tenta conduzir
a própria mente ao estado conhecido como "compaixão incondicional". O
tubo estreito do barulhento tomógrafo de ressonância magnética está, com
certeza, entre os locais mais estranhos nos quais Matthieu Ricard já praticou
essa forma de meditação, central na doutrina budista, nos seus mais de 30 anos
de experiência.
Para o
francês, o papel de cobaia no laboratório de Davidson, na Universidade de
Wisconsin, em Madison, é também uma viagem ao passado - a seu passado como
cientista. Em 1972, aos 26 anos, Ricard obteve seu doutorado em
biologia molecular no renomado Instituto Pasteur, de Paris. Pesquisador
iniciante, com futuro promissor pela frente, decidiu-se pela "ciência
contemplativa". Viajou, então, para o Himalaia e passou a dedicar a vida
ao budismo tibetano. Hoje, é monge do mosteiro Schechen, em Katmandu, escritor,
fotógrafo e, na condição de tradutor, integrante do círculo mais próximo ao
Dalai Lama. Ricard, no entanto, retornou à "ciência racional" porque
Davidson queria saber que vestígios a meditação deixa no cérebro.
Sem o Dalai Lama, é provável que a insólita
colaboração entre o neuropsicólogo e o monge jamais tivesse acontecido. Há
cinco anos, ao lado de outros pesquisadores, Davidson visitou o chefe
espiritual do budismo tibetano em Dharmsala, local de seu exílio na Índia. Lá,
discutiram animadamente as descobertas neurocientíficas mais recentes e, em
particular, como surgem as emoções negativas no cérebro. Raiva, irritação,
ódio, inveja, ciúme - para muitos budistas praticantes, essas são palavras
desconhecidas. Eles enfrentam com serenidade e satisfação até mesmo o lado ruim
da vida. "A meta suprema da meditação consiste em cultivar as qualidades
humanas positivas. Então, vimos isso como algo que precisaríamos investigar com
o auxílio das ferramentas modernas da ciência", conta Davidson.
Ele foi pioneiro nessa área, mas nomes importantes da pesquisa cerebral seguiram seus passos. Com auxílio da medição das ondas cerebrais e dos procedimentos de diagnóstico por imagem, os cientistas buscam descobrir o que nosso órgão do pensamento faz enquanto mergulhamos em contemplação interior. E os esforços já deram frutos. Os resultados dessa pesquisa high-tech, no entanto, dificilmente surpreenderiam o Dalai Lama, uma vez que não fazem senão comprovar o que os budistas praticantes vêm dizendo há 2.500 anos: a meditação e a disciplina mental conduzem a modificações fundamentais na sede do nosso espírito.